A ASTÚCIA É MÃE DA JUSTIÇA... E AVÓ DA VITÓRIA.
PALAS ATHENA E SEUS SÍMBOLOS
Por LUCIENE FÉLIX
Professora
de Mitologia Greco-Romana
O Nascimento de Palas Athena
Narra o
mito que a Sabedoria e a Justiça, personificadas pela deusa grega Athena (a
deusa Minerva dos romanos), é fruto de Métis (a astúcia, a inteligência) com o
poderoso Zeus, ordenador do Cosmos.
Após ter
sido proferido pelo oráculo que, se Zeus tivesse uma filha, ela se tornaria
ainda mais poderosa que ele, Zeus tratou de engolir Métis para impedir o
nascimento. Assim, Athena é gerada na cabeça do soberano do Olimpo (por isso, a
deusa é associada ao lógos).
Findado o
período de gestação, o supremo deus começou a sentir terríveis dores de cabeça,
pois enquanto a Justiça não nasce, elas são inevitáveis.
Desesperado
e no limite, Zeus ordena ao ferreiro divino Hefestos (Vulcano) que lhe abra a
cabeça. Mesmo a contragosto, com técnica e precisão, desferra-lhe o machado de
ouro certeiro e todos se surpreendem ao verem surgir, imponente e armada,
pronta para a guerra, a deusa Palas Athena.
Palas
significa "a donzela", pois a poderosa filha pede ao pai para
manter-se sempre virgem e, desta forma, impor-se com a autoridade de quem não
se deixa seduzir ou corromper.
Sua
principal característica física é o porte altivo. Invocando a proteção de
Athena sobre todo e qualquer embate, tem-se a vitória como certa, uma vez que
Palas Athena é sempre acompanhada por Niké (a vitória).
A Espada de Athena
Com a
espada de ouro em punho ou lança resplandescente (numa imagem mais arcáica),
que fora presente do deus da techné Hefestos, Athena já nasce fortemente
armada, pronta para a guerra. Mas o combate da deusa grega é diferente da
guerra do bélico deus Ares.
Na
mitologia grega, Ares, é o cruel deus da guerra, da carnificina.
Individualista, não titubeia em impor sua caprichosa vontade a quem quer que
seja. Enaltecido pelos Romanos, impulsivo, Ares é um deus de caráter epimetéico:
primeiro age, depois pensa.
Pensar é
atividade da mente, do elemento Ar, este sim, distingüe os homens das bestas.
Daí a prudente razoabilidade de Athena ser tão necessária à manutenção da ordem
(Cosmos) e à evolução do espírito humano.
De gosto
pelo desafio da conquista, Ares é acompanhado de Éris (a Discórdia), que com
seu archote em chamas acende o furor no coração dos soldados e seus filhos,
Deimos (terror) e Phóbos (medo), também servidores fiéis desse funesto deus.
O
espetáculo hediondo da carnificina causa horror a deusa Athena. Os gregos
sempre preferiram a sábia, justa guerreira Palas Athena, filha da razão do
soberano do Olimpo. Athena é também patrona da guerra, mas trata-se do combate
feito com inteligência e astúcia, motivado por um ideal honroso, guerra somente
enquanto último recurso, quando torna-se insuficiente a lúcida resolução
diplomática e pacífica de qualquer polêmica. Uma batalha também pode ser
encarada como última e importante argumentação na defesa da justiça quando
todas as outras falharam.
Sempre às
turras com seu inimigo Ares, pois nem sempre encontram-se do mesmo lado na
batalha, Palas (a donzela) será a única mulher a imiscuir-se aos homens, sendo
sempre respeitada por eles. Antes do começo da batalha, eles sentem sua presença
inspiradora e com isso anseiam mostrar seu heroísmo. “Sacudindo a terrível
égide, a deusa brada e corre veloz entre as fileiras convocadas à batalha. Um
momento atrás, esses homens haviam aplaudido com júbilo a idéia de voltar para
sua pátria; agora a esquecem por completo: o espírito da deusa faz agitar todos
os corações com ardor bélico”.
Renomados
heróis como Tideu, Hércules, Ulisses e Aquiles dobram-se aos seus sábios
conselhos.
Quanto ao
herói Tideu, Athena foi sua fiel companheira de batalha, até quis torná-lo
imortal. Aproximou-se do herói ferido de morte trazendo na mão a bebida da
imortalidade. Mas ele estava a ponto de fender violentamente o crânio do
adversário morto para sugar-lhe o cérebro. Horrorizada, a deusa retrocedeu e o
protegido para quem ela cogitava o mais elevado destino mergulhou na morte
comum, pois tinha desonrado a si mesmo.
“Athena
seria mulher porque os orgulhosos heróis que se deixaram conduzir por ela não
se submeteriam tão facilmente a um varão, mesmo que fosse um deus”.
Quando em
fúria cega Aquiles está prestes a liquidar Agamêmnon, Athena toca seu ombro e o
aconselha a dominar-se, contentando-se em ofender o Atrida somente com
palavras. O herói prontamente guarda a espada já desembainhada.
Refletindo
sobre a máxima de Heráclito: “A Guerra é Pai de todas as coisas”, é pela espada
de Athena que se impõe a Justiça.
A Cabeça da Medusa
Athena carrega, no peitoral de sua armadura a cabeça de
Medusa, a rainha das Górgonas.
As Górgonas são três irmãs (Medusa, a dominadora; Euríale, a
errante e Esteno, a violenta) que simbolizam os inimigos interiores que temos
de evitar. São deformações monstruosas da psique nascidas do desvirtuar de três
pulsões humanas: sociabilidade (Esteno), sexualidade (Euríale) e
espiritualidade (Medusa). Como a perversão espiritual prevalece sobre as
outras, Medusa é conhecida como rainha das Górgonas.
A perversão da pulsão espiritual, por excelência, é a vaidade
(imaginação exaltada em relação a si mesma) que é simbolizada pela serpente. Em
Medusa, inúmeras serpentes coroam sua cabeça.
No frontispício do templo de Apollo (irmão de Athena), deus
da harmonia, lêem-se as palavras que resumem toda a verdade oculta dos mitos:
“conhece-te a ti mesmo”. A única condição do conhecimento de si mesmo é a
confissão das intenções ocultas, que, por serem culpáveis, são habitualmente
maquiadas pela vaidade (por uma justiça falsa, pois sem mérito, infundada). A
inscrição reveladora significa, portanto: desmascara tua falsa razão, ou, o que
dá no mesmo, aniquila tua vaidade. Faz-se necessário a clarividência em relação
a si mesmo, o inverso do ofuscamento vaidoso e petrificante.
Ver Medusa significa: reconhecer a vaidade culposa, perceber
a nu suas falsas razões, suas intenções ocultas, o que ninguém consegue
confessar a si mesmo, da qual ninguém suporta a visão.
A cabeça da Medusa foi presente do herói Perseu, a quem a
deusa Athena auxiliou em combate emprestando-o seu escudo, para que não a
encarasse de frente e ficasse estagnado. O escudo reluzente de Athena, ao
refletir a imagem verídica das coisas e dos seres, permite conhecer a si mesmo:
é o espelho da verdade. Neste escudo, o homem se vê tal como é, e não como
gosta de imaginar ser.
Athena é a deusa da combatividade espiritual (as três manifestações
da elevação espiritual são a verdade, a beleza e a bondade). A sapiência, o
amor pela verdade é a condição para ascender ao conhecimento de si e, em
conseqüência, para adentrar na harmonia (Apollo).
Para derrotar a Medusa, foi necessário que o herói a
surpreendesse enquanto dormia pois o homem somente é lúcido e apto ao combate
espiritual quando a exaltação de sua vaidade não está desperta. Arma muito
cobiçada, mesmo morta, a cabeça da Medusa continuou mantendo seu poder de
petrificar quem a encarasse de frente.
Contra a culpabilidade advinda da exaltação vaidosa dos
desejos, não há senão um único meio de salvaguarda: realizar a justa medida, a
harmonia.
A deusa, símbolo da combatividade que inspira o amor à
verdade, convida os mortais a reconhecerem-se em Medusa, incitando-os à luta
contra a mentira essencial, a mentira subconscientemente desejada, o
recalcamento, as falsas razões. A cabeça cortada prova que a Medusa não é
invencível.
Antes de merecer o apoio de Athena, todo mortal deve encarar
o símbolo da decadência espiritual (a vaidade). Somente assim têm-se certeza de
que sua reivindicação não oculta outra intenção, ou seja, não é capricho,
teimosia. Ante a imagem da Medusa, quem busca a deusa clamando por justiça tem
somente duas possibilidades: contar com sua proteção (vitória certa), se já
passou pela prova da Medusa, ou imobilizar-se no pânico e petrificar-se.
A Coruja de Minerva
As aves, por serem consideradas os seres mais
próximos dos deuses, foram, conforme suas características e atribuições,
associadas a eles. A soberana águia acompanhava o poderoso Zeus, o imponente
pavão, sua consorte e protetora dos amores legítimos: a deusa Hera. À atenta
coruja coube a companhia da sábia Athena.
Vemos a imagem da coruja, símbolo de uma
vigilância constantemente alerta, nas mais antigas moedas atenienses. A coruja,
em grego gláuks “brilhante, cintilante”, enxerga nas trevas. Um dos epítetos de
Athena é “a de olhos gláucos” (esverdeados).
Em latim é Noctua, “ave da noite”. Noturna,
relacionada com a lua, a coruja incorpora o oposto solar. Observem que Atena é
irmã de Apollo (Sol). É símbolo da reflexão, do conhecimento racional aliado ao
intuitivo que permite dominar as trevas. Apesar de haver uma forte associação
desta ave à escuridão e a sentimentos tenebrosos, o que é natural a um ser
noturno, o fato de ela ter sido (devido a suas específicas características)
atribuída à deusa Athena também a tornou símbolo do conhecimento e da sabedoria
para muitos povos.
A coruja é uma excelente conhecedora dos segredos
da noite. Enquanto os homens dormem, ela fica acordada, de olhos arregalados,
banhada pelos raios da sua inspiradora Lua. Vigiando os cemitérios ou atenta
aos cochichos no breu, essa ambaixadora das trevas sabe tudo o que se passa,
tendo-se tornado em muitas culturas uma profunda e poderosa conhecedora do
oculto.
Havia uma antiga tradição segundo a qual quem
como carne de coruja participa de seus poderes divinatórios, de seus dons de
previsão e presciência. A coruja tornou-se assim atributo tradicional dos
mânteis, daqueles que praticam a mântica, a arte do divinatio, da adivinhação,
simbolizando-lhes o dom da clarividência.
Eis a ave da deusa da Sabedoria e da Justiça:
atenta coruja, cujo pescoço gira 360º, possuidora de olhos luminosos que, como
Zeus, enxergam “O todo”. Devido a todos esses atributos, a Coruja simboliza
também a Filosofia, os Professores e nossa proposta de Conhecimentos Sem
Fronteiras: integrar todas as formas de conhecimento com o olhar para O Todo.
Na introdução de sua obra Filosofia do Direito, o Filósofo alemão Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1830), escreve o seguinte:
Quando a filosofia pinta cinza sobre o grisalho,
uma forma de vida já envelheceu e, com o cinza sobre cinza não se pode
rejuvenescer, apenas reconhecer; A coruja de Minerva alça seu voo somente com o
início do crepúsculo.
Fonte: mitologia@esdc.com.br